
Á hora de a Europa investir em soberania tecnológica através de gigafábricas de IA
A iniciativa alemã Soofi representa muito mais do que um simples projeto de pesquisa. É um sinal claro de que a Europa finalmente compreende a importância crítica de não depender exclusivamente de soluções tecnológicas norte-americanas.
Com vinte milhões de euros em financiamento, um consórcio de seis instituições de pesquisa alemãs e dois startups está construindo um modelo de linguagem de código aberto verdadeiramente soberano. Isto é exatamente o tipo de investimento que deve ser replicado em toda a Europa. O contexto é crucial.
Enquanto gigantes norte-americanas como OpenAI, Google e Meta dominam o mercado de modelos de linguagem de grande escala, a Europa corre o risco de ficar permanentemente dependente de tecnologias controladas por outras potências. Não se trata apenas de competitividade económica, embora isso seja importante.
Trata-se de autonomia tecnológica, de capacidade de definir os nossos próprios padrões éticos e regulatórios, e de garantir que as nossas indústrias não fiquem refens de decisões tomadas em São Francisco ou Mountain View. O modelo Soofi é particularmente inteligente porque é aberto.
Isto significa que qualquer empresa europeia, qualquer investigador, qualquer startup poderá utilizá-lo, melhorá-lo e construir soluções em cima dele. Este é o oposto do modelo proprietário que caracteriza muitos dos gigantes tecnológicos americanos. Um modelo aberto cria um ecossistema de inovação que pode beneficiar toda a economia europeia, não apenas as empresas que conseguem pagar as taxas mais elevadas de acesso às APIs proprietárias.
Mas Soofi é apenas o começo. O que realmente precisamos é de uma visão muito mais ambiciosa: as gigafábricas de IA.
Estas seriam instalações de escala massiva dedicadas ao treino de modelos de IA de classe mundial, com o poder computacional equivalente aos maiores centros de dados do mundo. A Europa não pode competir com os EUA apenas em projetos de investigação académica. Precisamos de infraestruturas que rivalizem com as que existem na Silício Vale.
O investimento em gigafábricas de IA não é apenas uma questão tecnológica. É uma questão económica fundamental.
Os modelos de IA são cada vez mais o alicerce sobre o qual se constrói toda a inovação digital. Empresas de saúde, financeiras, de manufactura, de educação — todas elas estarão, num futuro próximo, profundamente dependentes de sistemas de IA sofisticados.
Se a Europa não tiver acesso a modelos de IA de classe mundial que possa controlar e personalizar, estará permanentemente em desvantagem competitiva. Alguns argumentam que o investimento em gigafábricas de IA é demasiado caro, ou que a Europa deveria focar-se apenas em aplicações de IA em vez de criar modelos fundamentais. Este argumento é miope.
É como dizer que um país não deveria investir em eletricidade porque poderia apenas importar energia. Sim, é mais barato a curto prazo.
Mas a longo prazo, sem controle sobre a infraestrutura energética, um país fica vulnerável a chantagem, a sancções e a decisões estratégicas tomadas por outros. O projeto Soofi mostra que a Alemanha compreende isto. Mas a Alemanha sozinha não é suficiente.
Precisamos de uma estrat&egia europeia coordenada. Isto significa investimento massivo em infraestrutura computacional, em centros de pesquisa de IA, em talento científico e em startups que possam transformar estes modelos em produtos e serviços valiosos.
Há uma oportunidade de ouro aqui. A IA está ainda numa fase relativamente precoce do seu desenvolvimento.
O mercado de modelos fundamentais ainda não está completamente cristalizado. Se a Europa agir agora, com decisão e com recursos adequados, pode ainda estabelecer-se como um criador líder de tecnologias de IA, em vez de ser apenas um consumidor passivo de tecnologias americanas. O investimento em soberania tecnológica não é protecionismo.
É bom senso. É a compreensão de que em tecnologias fundamentais que moldam o futuro da sociedade, a independência é um bem público essencial.
Soofi é um primeiro passo importante. Mas a Europa precisa de dar passos muito maiores, muito mais rapidamente. As gigafábricas de IA não são um luxo.
São uma necessidade estratégica.
